23.12.04
Infância nas estrelas
Na infância, além dos muitos questionamentos e sofrimentos que assolavam meu encéfalo em construção, tinha também uma grande inadequação para brincar de mocinho e bandido, de cowboys e os índios. Talvez porque o dono do forte apache era o vizinho e, por isso, sempre eu tinha que ser os índios e morrer dizimado no final. Naquela época, Hollywood ainda não tinha começado a revisionar o faroeste, não tinha pequeno grande homem nem richard chamado cavalo harris para me ajudar numa leitura do ponto de vista do povo oprimido. Por outro lado, era ligadão no espaço aideral, literalmente perdido no espaço. Mas todo mundo só queria brincar de mocinho e bandido. Para que vocês não fiquem com uma imagem pura e ingênua a meu respeito, tenho que confessar que meu negócio também era a eterna luta do bem e do mal, só que além da estratosfera e com armas de raio laser. Quando mudei para ribeirão, lembro de estar brincando em frente de casa com um graveto,quando chegou o filho do dono do bar da esquina e me perguntou do que se tratava aquilo. Disse para ele, com a maior cara de tédio e já prevendo que ele não iria se interessar, que era meu bastão de raio laser. Para a minha grata surpresa, ele disse algo como Ah, que legal, um bastão-laser!! E aí começou uma amizade sci-fi. Passamos um bom tempo dessa infância procurando pequeninos, como eram chamados os terráqueos que caíram na terra de gigantes, no meio do mato do bosque municipal que ficava perto de minha casa. Nunca conseguimos ver nenhum terraquinho nos arbustos, mas brincamos muito na imensa montanha que era o morro do bosque, escalando e procurando diamantes. Não preciso nem dizer que eu era o cagão que sempre entalava no meio da escalada, nem subia e nem descia, paralizado pelo medo. A obsessão por foguetes espaciais e astronautas dessa época, ainda me custa (hoje) muitas lágrimas no final do gattaca e também num conto do ray bradbury do livro f de foguete (ou seria no e de espaço?) que esqueci o nome e que conta a história de um menino que ficava vendo os foguetes partirem rumo ao cosmos. Lógico que, nessa minha infância, partimos para a construção de alguns pequenos foguetes. Eram canudos de alumínio de antenas externas de tv e com umas asas de cartolina coladas. Um outro amigo, o Marcelo, meu amigo desde a terceira série do fundamental até hoje, fornecia o combustível nuclear, ou melhor, a pólvora que ele, vamos dizer eufemisticamente, pegava sem avisar do armazém do avô numa cidade perto. Era uma tarefa de risco, a família ia para lá no almoço de domingo e ele trazia o tubinho de pólvora enrolado com fita isolante no para-choque do fusca paterno (perto do escapamento, sabem?). Durante o lançamento de nosso saturno V, no quintal de casa, o caminho de pólvora fez muita fumaça, seguido de um belo estouro do coitadinho que não vou nada. Até hoje lembro de minha mãe, com uma vassoura, no meio do fog de enxofre, dando vassouradas nas pernas do meu amigo, pensando que era eu. Esses momentos, agora transformados em poesia pela pena da memória, combinam bem com a personagem principal do gattaca que diz que somos feitos dos mesmos átomos que um dia surgiram da grande explosão inicial do universo, somos feitos de poeiras de estrelas. Assim, quando partimos em nossos foguetes rumo ao desconhecido, não estamos indo embora, estamos apenas voltando para casa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário