27.2.06

Uma Breve História de Meus Discos Voadores

Meu primeiro disco voador entrou pela minha retina lá pelos cinco, seis anos de idade. Era o júpiter 2 da família robinson e com ele viajei por um bom tempo. Aos oito, ganhei de meu pai, um disco de lata, made in japan, que andava, batia e voltava e girava luzes coloridas ao seu redor. Hoje, cansado, ele dorme em meu armário junto de outros brinquedinhos, de outras épocas. Depois vieram os discos de Os Invasores, série cult dos sessenta que não sei como ainda ninguém fez uma versão para a telona. Minha vida com os discos, sempre assim... Lá pelos onze, comecei a guardar os pretos maiores que chegavam e pousavam em um prato no qual uma agulha arrancava sons maravilhosos vindo do espaço sideral ou da Bahia. Guardei toneladas deles, de (quase) todos os tipos. Vi nascer os tocadores de discos pretos separados em partes que captavam, amplificavam e emitiam os sons. Velhos garrards, polyvox e gradientes. Por um bom tempo, o que saia deles aplacou minha ânsia do desconhecido, do além-éter, do além do azul. Depois, em um dia/noite da década de 80, fiquei fascinado pelas luzes filtradas por gelatinas, difusas, emanadas dos mais variados discos dos contatos imediatos. Para quem vinha de uma relativa entressafra de voadores no cinema, a cena final daquele imenso disco árvore de natal sobrevoando a montanha se transformou num êxtase divino e/ou reichiano sublime. Em 1984, meu pai comprou o primeiro tocador de disquinhos prateados, furta-cores. A modernidade da aquisição era tanta que passei um ano só com um cd de demonstração, de música clássica. Depois pousou em minha janela, importado diretamente do museu do disco, o peter gabriel IV. E minha retina timpânica se apaixonou pelos sons diferentes extraídos do fairlights, dos sticks graves e pulsantes, sons estranhos vindos pelo laser. E lá se foi mais algum tempo só com esse petardo solítário (que nem gastar, gastava) inumeras vezes, tocado pela luz. Passei um bom tempo obcecado pela idéia dos pequenos furta-cores que insistiam em pousar em minha casa, em meu quarto, pela janela, pelo correio, pelas mãos do meu irmão, que convencia alguns europeus e americanos a voarem até mim. Cheguei a construir um hangar imenso, branco, para que eles pudessem descansar enquanto nao estavam voando por aí.Hoje em dia, me acostumei com a existência e infinitude deles. Acostumei com a idéia que, por mais que pousem em meu hangar, o universo ainda continuará cheio deles. Essa consciência me libertou do vício e, potencializado pela falta de dinheiro, comecei um processo de desconstrução de ufos. Que fique bem claro, meu hangar branco ainda está cheio e, volta e meia, alguns exemplares novos ainda chegam. Na minha idade áurea de compulsividade, quando eu comprava até trilha sonora etnotrônica de filme paquistanês, um dia presenciei uma conversa de dois outros fãs de disquinhos numa garimpagem coletiva de baciões promocionais nas americanas, numa época em que se encontrava raridades por 3.90, escutei um dos viciados dizendo: "Ah, eu compro mesmo cds! Afinal, o que vamos levar dessa vida? Só aquilo que tiver dentro de nossa cabeça, as músicas, os filmes, os momentos..." Foi a primeira vez que tive um prova concreta e racional da possibilidade de burlar a finitude de nossa existência material acumuladora de coisas. A possibilidade de levar conosco, o que tiver incrustado em nossa alma, os sons, as imagens, os cheiros... Hoje em dia, com a ajuda da pequena e maravilhosa caixinha preta com fones, arranco os invólucros dos pequeninos e capturo sua essência, sua alma em uma memória flash. E lá ficam eles, nús, soltos, randômicos, voando dentro de minha cabeça, enquanto passeio pelas ruas da cidade, fazendo clipes e pensando na existência, com trilha sonora.

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