20.12.04

A irreversibilidade da flecha do tempo

(maio de 2004)
prólogo cósmico.
segundo os cosmologistas, o tempo começou com o big bang, a famigerada explosão inicial que deu origem ao nosso universo. Antes nao tinha nada (nem porca, nem parafuso como diria o caetano), nem o tempo. Alguns perguntam: terá mesmo o tempo esse sentido de uma flecha que se lança do passado em direção ao futuro? Ou será tudo isso um artefato provocado pelo observador, pela mente humana? Para Einstein, essa flecha do tempo, essa ireversibilidade do tempo, do passado para o futuro, não existe na natureza do cosmo, da matéria cósmica. Nas palavras dele: "para nós outros físicos decididos, a distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma ilusão, embora tenaz". Para nós mortais, o fluir do tempo é como se lêssemos um livro. Nossos olhos passeiam pelas linhas num sentido que permite que possamos avançar as páginas e entender a história que nela está escrita. Criamos a nossa flecha do tempo, a linha (ou a página) que acabamos de ler é passado, a que estamos lendo é presente, e a que leremos a seguir, o futuro. Fluimos em nossa leitura, nesse sentido, nesse tempo. Para os físicos que fumaram um, é tudo uma questão de enfoque, de recorte: nossos olhos passeiam pelas letras no presente, mas, se nos afastarmos e ampliarmos nosso enfoque, veremos o livro inteiro ao mesmo tempo: o passado, o presente e o futuro at same time. Por isso que eles dizem que a flecha do tempo é uma ilusão do observador.Outro louco, o Prigogine, discorda um pouco disso e acha que a flecha do tempo existe independente de nós, os observadores. E diz mais, fala da irreversibilidade da flecha do tempo, das reações químicas irreversíveis à evolução do universo em expansão. Eu, particularmente, não tenho capacidade cognitiva para concordar nem discordar de ninguém, apenas falo daquilo que acho mais bonito, conforme a hora.

(fim do prólogo)

o tempo destrói tudo
O Irreversível é um filme forte, fortíssimo. Tem duas cenas violentas que foram das piores que vi na tela. Mas é um filme duca! E diz justamente da irreversibilidade da flecha do tempo que corre, inexoravelmente, para frente. Dos nossos atos que levam a outros atos. Causa e efeito. Assim como no Amnésia, a história é contada de trás para frente. Se no outro filme isso era um recurso de estilo, nesse é a própria alma do filme. É como se o diretor, um niilista-otimista, tentasse nos dar uma esperança, no modo de contar uma história, onde o tempo destrói tudo. Aliás essa é a grande filosofia do filme: o tempo destrói tudo! O universo se expande e caminha para seu fim, nada pode mudar a flecha do tempo, os fatos da vida e do cosmo são irreversíveis. Só a arte pode aliviar esse determinismo, invertendo o sentido na maneira de contar a história. Por tudo isso, o filme começa no ápice (do desespero, da desordem, do experimentalismo da câmera, da montagem, da música, da violência, do caos, do nosso desentendimento) e vai retrocedendo e tornando-se mais compreensível, mais estável. Começa com ruídos eletrônicos experimentais e termina com beethoven. Da entropia à ordem, da maneira inversa ao que acontece na natureza, onde tudo tende à desordem e ao caos. Só existe uma maneira de suportar o fato da gostosona da monica ter entrado no tunel: inverter a flecha do tempo. Quando o diretor faz isso, ele nos diz: na arte sou deus e posso mexer no tempo. Ele mesmo parece nao suportar o fato do tempo destruir tudo.Tudo é bem planejado no filme, o aparente desleixo das cenas que parecem que foram filmadas com uma câmera na mão, imagens tremidas, granuladas. Cada cena foi filmada em um único plano-sequência, mas se vocês conseguirem assistir o filme inteiro (nao desistam antes dos 50 minutos iniciais, sejam fortes! mostrem que em suas almas ainda mora o incedíario dos 20 e não só o bombeiro dos 40) assistam o making off dos efeitos digitais e vão ver o que eles fizeram na pós-produção. De colocar reflexos virtuais de vidro de carro e apagar sombras indesejáveis, até inserir (ops!) um pinto digital, é um pinto mesmo, um pênis, o órgão reprodutor masculino, feito digitalmente, na braguilha aberta do ator (nojento!!) na já famosa cena do túnel. Nesse momento dessa crítica eu sei que vcs agora vão ficar curiosos para ver o filme, não há cosmo, mecânica quântica e flecha do tempo que rivalize com um pinto feito por computador, saído da braguilha e esmorecendo lentamente. Pois é, acho que esse filme inaugurou o digital-realismo, um NEO realismo (onde o prefixo neo refere-se ao Neo do matrix ) onde o resultado cru e amador das cenas foi cuidadosamente planejado previamente em planos únicos, sem cortes de câmera e cuidadosamente retocados, no computador, na pós-produção. Ou foi isso, ou eles mataram mesmo aquele cara e esse é um snuff-movie. Bem-vindos a uma câmera na mão, uma idéia na cabeça e um iMac na pós-produção. Mas o porreta mesmo é o jeito que é contada a coisa. Tem um pouco de falação de conteúdo porque o filme é francês, e vocês sabem como são os franceses, eles gostam de filosofar. Se fosse filme udigrudi de jovem jamursh americano só iria ter paulada e pós-produção. Esqueçam qualquer diálogo cabeça do filme, a única filosofia que importa é "o tempo destrói tudo!", o resto é só para pegar o pessoal adepto de filme europeu que não conseguir perceber que o grande conteúdo desse filme está no forma. Até os creditos entram na dança, reparem, tudo faz parte do filme. O filme termina maravilhoso, calmo, como todo começo de filme deve ser. Até os filmes de livros do Stephen King começam assim, calmos e maravilhosos. A flecha do tempo chega ao fim, ou seja, ao ínicio. O que era dor e desespero, agora é calma e possibilidades. O que eram gemidos e guinchos, agora é beethoven, majestoso e ordenado. As crianças passando e correndo ao redor da estoteante e gostosona belluci são como partículas de um universo que está em seu ínicio, que acabou de se formar. Não é por acaso que a câmera passeia por um poster do 2001 que mostra o feto desperto antes de (re)nascer. Não é por acaso que o filme termina num redemoinho de luz que encobre a música kubrickniana de beethoven e envolve tudo num quase silêncio, só escutamos o meta-barulho do projetor de filmes, num pulsar branco, na volta ao big bang, ao começo de tudo, inclusive do tempo.
pode ser que voc6es odeiem, que queiram me matar, mas é um filme que precisa ser visto!

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