(música: I'never thought I'd see the day. cantora: Sade Adu. álbum: stronger than pride)
Em 1989 eu e minha amiga (aquela do tangerine) estávamos indo de trem para Oslo (tentem nao encarar isso como um exibicionismo de pessoa menos desenvolvida na escala espirito-filogenética apesar de ser, com certeza!). Naquela altura do calendário, da latitude e longitude, o dia relutava em ir embora. A noite tentava, empurrava daqui e empurrava dali, mas se ele ia embora, ele insistia em deixar no céu uma réstia de luminosidade que transformava o escuro da noite num céu de azul cobalto.
Estávamos num trem muito do podreira para nosso padrão eurailpass primeira classe. Parecíamos a aristocracia falida de algum filme perdido do Visconti. Tínhamos primeira classe por conta do passe, mas não tínhamos muito dinheiro por conta nossa mesma. Por isso, quando entramos naquele trem para Oslo que só tinha uns bancos duros achamos o fim do mundo e quase pedimos nosso dinheiro de volta. Além do mais, a gente já era velho e não dava mais conta da inúmera quantidade de jovens que estavam pelo trem, pelo chão dos vagões, cheios de mochilas, todos indo prum festival de jazz na noruega. Eles cantavam, eles bebiam e se divertiam. E nós morrendo de sono, fome e cansaço, não necessariamente nessa ordem. Vinte e duas horas e lá fora, o céu permanecia numa variação de tons de azuis que nem a máquina de misturar tintas da suvinil seria capaz de reproduzir. E todo mundo conversando e cantando e seguindo a canção e nós apagando... E eu ouvindo o murmúrio incompreensível da turba cada vez mais distante. Meu corpo lembrando sempre do banco duro, minha mente sentindo os ritmos do eeg (des?)sincronizando-se. A turba jazz nórdica se acalmando. O silêncio da noite finalmente se impondo. E lá fora o céu da cor do "papel que encobre a maçã". Trem de uma só cor.
Não sei quanto tempo dormi, nem como. Só sei que fora de mim, todos estavam mortos pelo vinho e pelo cansaço. Silêncio total, fora o próprio barulho do trem de bancos duros voando sob o céu azul-resistência. No meio de tudo isso, alguém liga um som portátil e dentro da minha cabeça eu acordo um pouco com a voz veludo da Sade cantarolando algo quase sem nenhum instrumento, talvez só um acorde sustentado de teclado. Conhecia a Sade Adu, mas não conhecia aquela música. De olhos semi-abertos, olhei o sono-sonho dos corpos cansados dormindo pelos bancos e chão. Embalados pela voz da canção e banhados pela luz azul cobalto da noite contaminada pelo dia eterno.
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