21.12.04

Memórias Musicais vol. 03 - O começo de tudo

(A lenda das conchinhas, Celly Campelo, Grandes Sucessos)

Eu nasci em tambaú, são paulo, e lá fiquei até os oito anos de idade. Tambaú é um lugar conhecido pelas inúmeras olarias (e suas inúmeras chaminés) e pelo milagreiro padre donizetti. Quando eu era bem pequeno, além de ter sido abençoado pelo padre, também tinha uma obsessão-freudiana-fálica-de-almanaque-fontoura pelas chaminés da cidade. Por conta disso, em qualquer forma retangular na vertical que visse em livros e revistas, eu tascava uns rabiscos circulares ascendentes na extremidade superior que emulavam as fumaças da minha familiar paisagem natal. Meu pai comprava muitos discos de vinil nessa época (e em outras também, parou em 84 quando começou a comprar cds). A gente ia até a cidade vizinha, casa branca, porque lá tinha uma loja "imensa" que vendia lps. Ray coniff, percussive jazz, connie francis e celly campello faziam parte constante da nossa eletrola. Meu pai foi o primeiro que eu conheci que teve sonata, hi-fi, vitrola de móvel que você tirava duas caixinhas de som porque já era estéreo, depois comprou uma coisa esquisita em que tudo era separado, o gravador, o toca discos e o amplificador, e a gente achava que estava faltando o móvel. Comprou um quadrasonic, quatro caixas na sala, vinil do wish you were here e eu intrigado com o homem plantando bananeira na água, na capa do lp. Mas em tambaú, muito antes disso, eu gostava da Cely Campelo e tinha um disco que ela estava com uma jaqueta na capa e essa jaqueta tinha umas costuras que apareciam. Bem moderna, roupa azul escuro com costuras brancas. Isso sempre me intrigou, como que ela colocava uma roupa, na capa, que parecia com as roupas que o alfaiate (da minha cidade) deixava nos manequins sem cabeça porque ainda não tinha acabado de fazer? Modernidades do futuro do pretérito. Afinal, pouco tempo atrás, laika ainda latia auuuuu redor da terra!
Penso que aquelas linhas brancas da jaqueta azul da cely foram um dos meus primeiros questionamentos sobre a possibilidade das coisas serem o que são somente quando inseridas num contexto mais amplo. Contexto este que, por sua vez, resignifica o objeto fazendo com que ele possa assumir diferentes significados... a roupa alinhavada... a roupa pronta ...e etc. (por favor, parem de rir, não foi fácil tornar-me um ser questionador e criativo apenas olhando para a capa do disco da celly campello, aos 5 anos de idade).
Mas em tambaú, na tenra infância, eu brincava de argila catada nas sobras das fábricas numa época em que atividades lúdicas com barro, enquanto proposta pedagógica de desenvolvimento infantil, ainda não estavam na modinha. E gostava da celly e gostava especialmente de uma música que contava a triste e melancólica estória do amor que ficou guardado numa concha que, por sua vez, caiu no mar. A música terminava dizendo assim: "e agora o mar tem mais peixinhos a nadar". Demorou muito tempo para eu entender a intrigante correlação entre o amor que escapuliu da concha, no mar, e o aumento da densidade populacional de peixes no local...

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