30.7.05

O dia em que minha amiga morreu

Isso faz muito tempo, mas parece que não. Minha vida normal incluía, naquele dia, ir ao banco depositar um dinheiro pois estava no negativo. Fazia um tempo que a gente não se via, estávamos bem afastados, ela morava em floripa com o marido e eu, como sempre, vivia por aqui. Naquele dia, meu grande problema era cobrir meu especial, meu grande sofrimento era ir até o banco do brasil a pé, no sol escaldante de ribeirão. Quando o telefone tocou, alguém pediu para eu aguardar que a mãe dela iria falar. Eu lembro cada palavra que eu escutei naquele fone,naquele dia, mas não vou repetir aqui porque eu quero emocionar vocês, mas não quero apelar. Tudo ficou muito esquisito depois, não sei se foi isso que aconteceu, mas eu acho que eu e a claudia ficamos rodando pelo quarto igual o tio patinhas na sala que ele tinha e ficava andando em círculos. Ou era o Prof. Pardal? Tudo é muito misturado em minhas memórias. Faz mais de dez anos. Só sei ter sentido perder o rumo, o chão, e tudo ficar muito estranho. Tudo ficou tão despencado e inútil, que nós precisamos ir ao banco depositar o dinheiro para que a vida voltasse a fazer algum sentido rapidamente. A família morava em uma cidade de Minas e eu fui até lá, um dia depois de que tudo tinha terminado. E a geografia nova era carregada de tintas fortes emocionais que eu levei comigo durante o ônibus da madrugada. Nunca tinha ido lá. Por conta de minha fobia em viajar, não fui para lá nem quando fui convidado para ser padrinho de casamento dela. Agora, olhando os morrinhos da geografia minas, o remorso comia as costelas e os músculos nelas fixados. Remorso de não ter aceito o convite, remorso de falar mal do marido dela, que parecia uma foquinha, porque depois que ela se apaixonou, abandonou os amigos ao Deus Dará. Eles formavam um casal melado, falavam duas frases e davam dois beijos e nós, os amigos revoltados, comentávamos: "Amor tem limite!" Mas eles eram felizes e o foram antes do resto de nós. Pela janela do ônibus, eu via as curvas no escuro e continuava esquisito indo para um lugar que nunca tinha ido, ver uma pessoa que não estava mais lá. Na casa, as pessoas da família misturavam dor e hospitalidade mineira, lágrimas e café moído de fazenda. Doce de leite branquinho que, pressionado contra o céu da boca, transformava o gole na xícara em café com leite. Tudo o que aconteceu está registrado em mim, como uma fotografia holográfica de cheiros, gostos, sentimentos, luzes, sensações e tatos. Todo aquele instante único registrado nessa fototalgrafia da vida. E, acima de tudo, a lembrança da força poderosa da vida empurrando os obstáculos e se instalando forte, entre uma e outra lágrima; se instalando em micro-sorrisos e mini-esperanças no meio das conversas e das recordações. De vez em quando, eu sonho com ela. No sonho, nós dois sabemos o que aconteceu, mas não tocamos nesse assunto. Como dois amigos que passaram por uma experiência muito traumática e quiseram seguir em frente, sem olhar para trás, para o passado, para conseguir prosseguir.

para a nêis

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