19.12.05

Fazendo clipes

Quem viu um filme anos 80 de uns alienígenas que se alimentavam das endorfinas secretadas na hora do orgasmo e/ou pelos pós-punks viciados em heroína? Chamava-se liquid sky e, nao sei se era bom, era bem doidão. Tenho uma cópia pirata vhs dele ainda, em algum lugar. Em determinada hora, uma figura fazia uma performance com um microfone (em que ela falava e colocava sobre o coração) e uma rythm box amarrada na cintura. Chamava-se "me and my rythm box". Aquilo ficou grudado no meu cérebro e, acredito, tenha definido muito do que eu fiz em matéria de performances em minha vida posterior.Muito tempo antes, quando era ainda mais novo e revoltado, lembro que teve uma copa do mundo em que o Brasil ganhou um jogo, num domingo e eu, voltando da casa de amigos, vinha escutando no walkman (de fita k-7 mesmo) umas canções do mahler, kinder alguma coisa, se nao me falha a memória. Andava pelas ruas, e todas as pessoas pulando e agitando imensas bandeiras estavam mudas, embaladas pela voz da soprano gritando alguma coisa em alemão sobre crianças mortas. A calma da música era tanta que até os movimentos das pessoas ficavam em slow também. Sempre gostei disso, de fazer clipes ao vivo com o mundo e meus fones de ouvido.Se vocês bem se recordam de minha última crônica, valeu a pena acreditar no velhinho. Ele trouxe para mim meu ipod nano. Me and my ipod box! Com ele, voltou também minha velha mania de fazer clipes ao vivo pela cidade. O carrefour na manhã de domingo pré-natal combinou bem com o leprechaun do chick corea. Minutos depois, andando pelos corredores do shopping, a colagem de dimitri from paris dizia, em meus ouvidos, "une very stilish fille", enquanto meu olhos alternava entre a barangagem e as vitrines de roupas de grife. Montar esses clipes, ao vivo, requer recortes de nossos olhos, closes em detalhes, panoramicas das locações, cortes rápidos, travellings... Subir as escadas rolantes, olhando para as luzinhas e bolas de natal, com uma boa ária nas orelhas, também se transforma numa experiência audio-visual inesquecível. Tudo depende dos olhos, dos cortes que fazemos entre algo e outro, e do que escolhemos ver. De carro, atrasado para a escola, combina algo eletronico, um karl bartos, que transforme a direção no manche disparador de torpedos fotônicos contra transeuntes, bicicletas e motos intrometidas.
A vanessa da mata vai bem com o centro da cidade, no meio do povo todo, andando e dizendo "não me deixe só, eu tenho medo do escuro, tenho medo do inseguro". Ainda nao voltei na microcolina do parque ecológico e, por isso, nao sei o que combinarei com a paisagem, já que agora meu mp3 player não é mais imaginário. E o mundo real, mesmo que trazido pelo papai noel, é sempre mais limitado e esquemático e todas as opções de trilha tem que caber, fatalmente, em apenas 2 gigas.
Não sei se um mundo melhor é possível, não sei se os chatos vão parar de se matar na faixa de Gaza. Nem sei se sou mais feliz por conta de meu ipod. Só sei que, quando meu dedão desliza sobre o controle circular do bonitinho, e o volume do coral renascentista em contracanto aumenta e lambe meus ouvidos, eu acredito firmemente que tudo ainda vai dar pé!

Um comentário:

Anônimo disse...

Depois de ler este texto originalmente recebido´, ainda não havia a febre natalina de 2005 dos i pods, nem na mídia. Mas eu comprei o meu. Valeu a dica. Wagner.