O milk shake resultante das emoções de estar em férias e numa pré-crise de meia idade, transformaram esse momento em algo único em minha vida. De um lado, o ócio compartilhado pelo e com os familiares: shopping, brigadeiro de colher, dvds de locadora, o desenho da pixar, carros, com os filhos (achei chato) e chachè com a esposa (muito bom) nos cinemas, e do outro, a aproximação dos cinquenta, os fios brancos e o interesse do joca pelo submarino amarelo dos Beatles. A flexibilidade do que fazer (ou não) nas férias, as horas a mais de sono, acabam por estimular coisas essenciais, sem as quais você parece não poder viver mais um minuto. Impulsionado por esse sentimento, coloquei uma mini prateleira na cozinha para organizar os potes de temperos. Escutei a discografia do Stevie Wonder em ordem cronológica e, depois do cachè, fui atrás de assistir a filmografia do Michael Haneke. Ou seja, manias semelhantes às listas do cara do alta fidelidade que só o tempo expandido das férias pode, realmente, efetivar. Ainda nesse espírito modorrento, comecei a montar uma banda musical fictícia só com os grandes chatos nacionais, por enquanto tenho:
Milton e Maria Rita nos vocais principais.
Ana Carolina gritando, nos backing vocais, "é isso aí!"
Ivan Lins ao piano.
Hermeto no solo atonal de chaleira.
Carlinhos Brown na bateria.
Mano Brown na atitude.
Joao Bosco no violão e no dáu,dáu,dáu,dáááu, brinquedo de papel machê.
Gerald Thomas na direção de cena.
A Marisa Monte como empresária, detentora de todos os direitos de som e imagem e mantenedora do sistema de refrigeração.
E o Gil como letrista e promoter, dando entrevistas sobre a proposta quânticandomblé da banda, quiá, quiá, quiá!
Por outro lado, a aproximação dos cinquenta, o eterno questionar sobre nosso papel enquanto aglomerado de moléculas que se auto-produzem (sendo que algumas já nem dão conta de manter o pigmento na quantidade e no lugar certo), desencadeou um revival dos beatles que começou quando o Joca percebeu o meu submarino amarelo de miniatura, no meu armário de brinquedos. Depois, prestou atenção nos meus bonequinhos dos fab4 e no livro do yellow submarine que a mãe tem que ler toda vez que vamos à Paraler. Não me entendam mal, nunca fui um aficcionado pelos beatles, gosto muito, mas, quando eles acabaram, eu era muito novinho e não construí nenhum vínculo emocional com eles. Acredito que todo mundo que gosta de música, sofre um imprint em determinada fase da vida, geralmente na adolescência, que coincide com o fervilhar hormonal e os questionamentos sobre a própria existência. Isto posto, devo dizer que meu imprint ocorreu mais tarde e foi cheio de moogs e efeitos espaciais. De qualquer maneira, resolvi escutar minha coleção dos meninos de liverpool e mostrá-la pro Joca e os irmãos. E dá-lhe álbum branco, almas emborrachadas e love, love, love.
E foi assim, numa bela tarde de férias, enquanto os filhos brincavam lá fora e o sargento pimenta comandava a banda do clube dos corações solitários, que eu tirei os olhos do computador, olhei para as crianças e, naquela velocidade lenta dos comerciais de margarina sem trans, percebi que o tempo tinha passado. E, o que é pior, que se tivesse sido só o tempo, ainda teríamos dado um jeito.
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