Há muito tempo atrás, na época de faculdade, tinha (e ainda tenho, só que mais distante) um amigo com um problema muito grave de boca solta. Ele não era fofoqueiro, existia uma diferença muito grande, ele não fazia fofoca de ninguém, o problema só começava quando ele estava no meio da história. Se ele soubesse de alguma informação confidencial sobre outras pessoas, essa informação iria com ele para o túmulo, mesmo que fosse algo tão relevante quanto fulano mostrou a língua para sicrano. Por outro lado, se, por ventura, tivesse ele participado de um ritual de magia negra e sacrificado duzentas criancinhas, ele contava para todo mundo para compartilhar essa experiência que tinha mexido com seu ser, sabe? Então, o risco era só dividir alguma história secreta com ele em algum momento de nossas efervescentes vidas universitárias. Era um ser apaixonável, ou seja, estava constantemente apaixonado por alguém (independente desse alguém saber, querer, corresponder).
Certa vez, apaixonou-se ele por uma garota japonesa que, diziam, tinha uma paixão secreta por outra pessoa. E lá ia ele, andando cabisbaixo pelos corredores da faculdade, enamorado e nao correspondido, querendo saber quem era o amor de sua paixão. Por mais que tentasse, não conseguia descobrir. Quer dizer, não conseguiu descobrir até recorrer a ajuda de um profissional para o serviço, ou seja: EU. Tratamos do negócio no bar que constumávamos frequentar. Como eu estava juntando tampinhas de garrafa de coca-cola para trocar por uma miniatura (15 tampinhas = 1 garrafinha) e já tinha três, fiz a proposta irrecusável: o nome da paixão secreta em troca das doze tampinhas que me faltavam. Negócio fechado no ato.
Fui então, igual aos lobistas de hoje em dia, fazer alguns contatos com minhas fontes (e derrubar alguns governos, se fosse o caso). Sem querer fazer propaganda de meus talentos, em menos de vinte minutos o nome da paixão secreta estava em minhas mãos. E lá fui eu marcar a reunião de troca de reféns, informação para lá, doze moedas de ouro para cá. Meu amigo ficou exultante, agora teria armas para negociar o seu amor. Afinal uma paixão secreta, assim o é por algum motivo. Fiz o boca mole prometer que meu nome, e meus serviços, ficariam de fora dessa negociata suja pois, assim como o psdb, eu tinha um nome a zelar. E ele me prometeu, fiquei tranquilo porque, primeiro, ainda não sabia de sua hipotonia bucal e, segundo, porque seus objetivos poderiam ser muito bem atingidos sem a divulgação do nome do agente secreto.
E a vida seguiu tranquila, por uns tempos. Iamos todos, quase todas as noites, pro Lanches Árabe, onde a biodiversidade imperava e podia-se encontrar de macaco prego a mico leão dourado, se é que vocês me entendem. Onde passávamos horas discutindo filmes poloneses e caetano veloso enquanto o amor não surgia em nossas jovens vidas. Um belo dia estava lá, sentado em minha mesa com alguns amigos, tomando minha indefectível coca-cola, quando se senta uma moça segurando um copo de campari com gelo e uma rodela de laranja, vira para mim e diz: "Quer dizer que você vendeu minha vida por doze tampinhas de refrigerante?" Sim, sim, era a paixao do amigo que tinha uma paixão (não tão mais) secreta. E o boca mole tinha contado tudo, só não deu meu RG porque nao sabia. E lá estava eu, com ela, que eu conhecia de vista, mas nunca tinha conversado, tendo que me explicar enquanto o chão se abria sob meus pés e me engolia em uma velocidade bem lenta. Lenta o suficiente para eu pagar meus pecados de informante ali mesmo, in loco, enquanto era tragado pelas labaredas do inferno.
Depois dessa entrada triunfal na vida alheia, poucos segredos sobraram. E foi assim que nos tornamos amigos, os melhores amigos de nós mesmos durante um bom tempo. Depois desse tempo, nem mesmo eu sei direito porque, houve uma ruptura tão brusca quanto o buraco do inferno que nos aproximou, e hoje somos dois estranhos. De vez em quando eu sonho com ela e conversamos e entendemos o que aconteceu, ou não. E eu chego a pensar que uma amizade iniciada pela venda de um segredo pode não ter tido fim, e só estar em uma pausa suficientemente longa para durar o resto de nossas vidas.
23.10.06
Uma vida por doze tampinhas
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2 comentários:
Coma isso acontece na nossa vida!
viramos amigos por causas improvaveis e logo estamos ligados ate o fim!!!
depois de um tempo nem o telefone destes temos mais...
continue escrevendo pois vc coloca no papel tudo que nunca saberiamos como.
Tio, olha que nunca conversei com a pessoa, mas eu sei quem é por que eu lembro do pessoal ir na casa do vô e da vó, e todo mundo me parece agora meio mitológico nessas histórias todas que você tem contado. Acho que quando o número de histórias flui de alguém dessa maneira e quando todas elas são muito boas, sempre sugiro que a pessoa escreva um livo. Acho que é meu conselho. Molhe a pena na tinta e mãos a obra! Seria um Dazed And COnfused regado a Gentle Giant , Kubrick , Coca cola e Mac Donalds e não precisaria de mais nada ein? Em tempo, vi um filme, bem dormi no meio, feito pelo Dave McKean e Neil Gaiman, mas acho que devo tentar ver de novo, por que é o tipo de filme que eu gosto e você mais ainda. É isso.
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