7.4.07

Católicos, Evangélicos, o Rabino, o Carrefour e a Páscoa

O mundo está cheio de histórias, é só prestar atenção, e saber quando elas começam e quando terminam. Sexta santa de manhã, oito e meia mais ou menos, chego ao carrefour para comprar creme de leite fresco para o bacalhau nas natas. Enquanto estaciono o carro, um outro grupo de pessoas já abastece o porta-malas com as compras, gelo, carvão e carne. Parece ser o famoso churrascão católico da sexta-santa. Os católicos são bem interessantes, a igreja força as regras ao ponto de ser (quase) impossível seguí-las. Existe uma coerência interna entre elas: se você não pode transar antes de casar (e tem que ser fiel depois) porque você tem que usar camisinha? É obviamente lógico. O problema é que lógica e vida humana quase não combinam. Quem sabe lá em Volcano, planeta do Spock, ela tenha alguma chance. E olha que vi um episódio do star trek que até os volcanos perdiam a lógica quando o assunto era reproduzir-se. Aliás, dizem que os únicos animais que transam com a finalidade de se procriar, são os católicos. O resto, incluindo mexilhões, uirapurus e macacos, querem mesmo é rosetar! Hahaha!
Não me levem a mal, sou católico de formação. Adorei casar no religioso, acredito e temo a Deus, principalmente durante a noite (ao meio dia sou mais descrente). Porém, fiquei pensando no churrascão da sexta-santa. Depois, entrei no supermercado e comprei o que faltava pro meu bacalhau, três colchonetes para a dormida dos tri na escola, leite de coco para o arroz e sorvete napolitano. Na saída, no mesmo estacionamento, passo com o carrinho perto do guarda do Carrefour que está abaixado, dando uma mordida de biscoito água e sal para um menino pequeno, que tinha olhado com olhos de vontade. Dou um sorriso para a cena, enquanto caminho em direção ao carro. Ao longe, escuto o guarda, agora sozinho, falando no walkie-talkie: “QAP, QAP, acabei de dar um pedaço de bolacha para uma criança. Jesus disse, dai pão a quem tem fome!”
E a distância me impediu de escutar o resto. E lá ficou ele satisfeito com sua boa ação diária. E eu fiquei pensando nos católicos, nas camisinhas, no churrasco no dia santo, nos evangélicos cumprindo seu dever com biscoitos. Pensei até no rabino Sobel, já que estava numa manhã ecumênica. Pensei, porque não deixam o coitado roubar umas gravatas em paz? A vida dele é muito mais que isso! O ser humano é assim: não lógico, promove a paz e a justiça mas tem fetiches por gravatas de marca. Todos nós somos assim.
Pensei, que a igreja católica marcou, deixou tudo de bom para o reino do céus. Só lá, seremos felizes. Aqui é só ralação e sofrimento. Eu, particularmente, estou duplamente ralado. Aqui na terra, porque não devo ter nem uns três anos de contribuição para o INSS, o que significa aposentadoria só por falência múltipla dos órgãos. E na outra vida, depois dessa existência de pecados, o máximo que consigo é um apartamento, face sol, no paraíso. Mesmo assim, se eu me arrepender. Só que para se arrepender é preciso achar que estava errado. É, realmente estou ralado e mal pago.
Pensei nos evangélicos continuamente pensando em Deus e orando (evangélicos oram, católicos rezam) e fazendo de cada momento uma aplicação das palavras da bíblia. Pensei numa aluninha minha da quinta série que me disse que o Diabo está aí, sempre tentando, e que daqui um tempo, no dia do juízo, os que estiverem com a marca do Demo (o M da motorola é uma delas) vão direto pro inferno. Sem dó, nem piedade.
E pensei também, que os pensadores evangélicos foram mais espertos e prometeram ganhos aqui e agora. É só seguir direitinho os ensinamentos e sua vida melhora, já. Para a outra vida ficam só a especialização e o MBA.
Sexta-feira santa e eu no Carrefour pensando tudo isso. São só (quase) nove horas e conversas sobre churrasco e biscoitos me animam a pensar na existência humana. Depois, ainda tem a Páscoa, o domingo, o almoço com a família, as conversas sobre filmes, a sobremesa que eu fiz com sorvete, bolo e ganache de chocolate meio amargo. Ainda tem marcar as escadas com patinhas feitas com farinha, esconder os ovos, deixar cenouras e água para coelhos famintos e cansados. Ainda tem crianças ávidas por chocolate e surpresinhas.
E mesmo que digam que Páscoa significa uma outra coisa que não tem nada a ver com guloseimas e consumo, não liguem! É através dos ovos de chocolate e do comércio intenso da sociedade em que vivemos, que conseguimos nos reunir e mostrar, uns aos outros, que ainda temos esperança e capacidade de renascer.

2 comentários:

Unknown disse...

Cleido:
Legal essa ironia leve, essa falta de compromisso com a linearidade, sem matar a lógica. Gostoso de ler não como um chocolate, mas como uma pizza meia cinco queijos meia 4 queijos... Dá uma inveja boa! Vou mandar um texto meu para você entender como um certo complexo de Machado pode atravancar nossa vida. Abraço, colega amigo!

Valéria disse...

Gostei muito da sua reflexão.
Em alguns momentos tive muita vontade de rir (M da motorola...).
Parabéns!