27.8.07

Quarenta e três minutos de silêncio

Entro na sala de aula do primeiro ano do ensino médio e eles estão todos lá, felizes. Hoje é o dia da explicação do filme Donnie Darko, que eles tinham visto na semana anterior. Vou até a lousa e coloco algumas palavras-chave e espero um pouco de silêncio para começar a falar. Ameaço uma primeira frase que é interrompida por uma gracinha qualquer. Tento de novo. Outra gracinha de um outro alguém. Espero mais um pouco. Nada muda. Encosto na minha mesa e digo: “Pessoal, vamos fazer o seguinte, eu marco cinco minutos no relógio para vocês falarem o quanto quiserem. Vocês gastam o papo, bastante e depois eu explico o que tenho para explicar”.
Todo mundo fica quieto. Ficam incrivelmente quietos. Encostado na mesa, passeio o olhar por eles com uma cara séria e eles permanecem em silêncio absoluto. Não tinha planejado nada disso mas, resolvo ir até o fim. Alguns alunos debruçam sobre as carteiras e dormem. Outros, jogam o jogo da velha, poucos lêem ou estudam alguma coisa. Tudo no mais completo silêncio.
Continuo apoiado na mesa, olhando para os adolescentes em varredura e me sentindo tão desconfortável quanto eles. Tenho certeza que a experiência tem que ser dolorosa tanto para mim, quanto para eles. Não existe aprendizado sem comprometimento, sem perda, sem dor até.
Disfarçadamente, muito disfarçadamente, rearranjo a pulseira do relógio para poder ver as horas sem dar bandeira. Nossa! ainda faltam umas boas dezenas de minutos para isso tudo terminar. Lembro que esqueci de colocar o celular no vibracall, ele NUNCA toca de manhã, mas SE tocar, meu aprendizado do silêncio irá por água a baixo em segundos. Sorrateiramente, mantendo o olhar de varredura aleatória sobre eles, pego minha bolsa, procuro o aparelho e aperto o botão mudo.
Ninguém me encara por muito tempo. Eu também não encaro ninguém por muito tempo. É nessa hora, imerso no nada de ação motora e mental (silêncio?), que descubro que não existe um nada de ação mental e motora. Meus dedos batem no ritmo de uma dança imaginária. É nessa hora que me lembro do John Cage e sua música/intervalo de tempo de 4 minutos e 33 segundos de silêncio, preenchidos por ruídos involuntários e aleatórios da platéia. Nela, não existe ausência de sons, existem as tossidas, os risos nervosos e o virar das páginas das partituras da orquestra.
O silêncio não existe. A minha não-aula não existe. Eu percebo que preencho o espaço com pensamentos e ritmos internos e que os alunos também preenchem a quietude que dei para eles com alguma coisa. Eu sei, agora, que no nosso próximo encontro, falaremos de John Cage, sobre sua música do acaso, que poderá nos proteger, sem andarmos distraídos.
Bate o sinal, pego minha bolsa, meu apagador e giz e saio da sala. No mais completo silêncio.

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