20.11.07

iGod

Não há nada que me faça deixar de crer, que meu iPod tenha uma consciência cognitiva, que faz com que ele transforme sua função de tocação de músicas aleatórias em algo que tenha um propósito.
Quinta é um daqueles dias que eu caminho de manhã, no curto espaço-tempo entre o depois de entregar os filhos na escola e o começo de mais um dia de aulas. Coloco os fones e clico a função shuffle. Começo minha caminhada com uma Nara Leão, um bom começo, enquanto não pego o ritmo e ainda acho que vou ter um infarto naquela subidinha logo adiante.
Depois da Nara vem a Nora, a Nora Ney cantando algo bem influenciado pelo marido politizado que ela tinha, uma canção que fala sobre um lugar sem tristezas. O acaso me manda, depois, uma Julie London e eu já começo a desconfiar que a plaquinha de memória flash quer me dizer alguma coisa na sequência de vozes femininas que embalam meu caminhar.
Espero a próxima, Katia B., e mais uma cantora despeja seu timbre feminino em meus ouvidos. Annie Haslam (do Renaissance) vem em seguida cantarolando a introdução com aquela voz macia e de agudo delicado, dela.
Agora, já tenho certeza que o chip pensa e coloca ordem no caos. Nada mudará minha idéia que o desgramado não é randômico coisa nenhuma, que ele quer me dizer alguma coisa, assim como dizia alguma coisa o oráculo de Delfos, as entranhas dos animais na antiguidade e as famigeradas cartas do tarot de Marselha.
Aparece um Kraftwerk, elektro kardiogramm, minha tese sobre vozes femininas vai por água abaixo, porém, antes que ela termine de escorrer, presto atenção nas batidas de coração e no compasso dado pela respiração que fazem o ritmo da música. Volto a ter esperanças, penso que essa música foi uma mensagem em meta-linguagem do iPod. Sou eu caminhando escutando alguém andando de bicicleta (na música do kraftwerk).
Começa um canto afro-religioso sobre berimbaus alterados e processados eletronicamente do Ramiro Mussotto. Penso em Deus. Penso que, se eu acredito na cognição-binária-flash do silício nesses poucos minutos de caminhar, é óbvio que milênios de tentativa de entender o aleatório, desde o começo, levou o homem até Deus. Se eu, que sou eu, fico chapado com a mensagem que meu tocador de mp3 manda para mim, por que a humanidade não pode ter certeza que as curvas perfeitas do caramujo nautilus não são obras de uma cognição superior e onipresente?
Depois vem uma do Focus, soft vanilla. Nada a declarar, por enquanto. Mas, em seguida, inicia a Wanessa da Matta cujos primeiros compassos da introdução é uma cópia descarada de, pasmem, uma música do Focus chamada hard vanilla que faz parzinho (no mesmo cd) com aquela que acabou de tocar antes.
O aleatório não existe. Os tambores eletrônicos ainda estão batendo em minhas orelhas. É ele, iGod, mandando mensagens: eu penso e te conto coisas. Você pensa que eu penso e, por isso, pensa no início de tudo, no desespero humano em se deparar com a possibilidade de sua própria história ser somente fruto de uma seleção de acasos sucessivos.


playlist:

Vou por aí – Nara Leão
Mundo diferente – Nora Ney
Wives and lovers – Julie London
Viajei – Katia B
Things I don’t undestand – Renaissance
Elektro kardiogramn – Kraftwerk
Ochossi – Ramiro Mussotto
Hard Vanilla – Focus
Quem irá nos proteger? – Wanessa da Matta

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