29.11.07

Inúmeras maneiras de se matar um Inseto

Só existe um animal que eu mato conscientemente e com prazer, os pernilongos. O resto tento evitar, quando possível. Lógico que uma barata, frente a frente comigo, no meio do meu lar, terá uma morte rápida, certa, digna e com pouco sofrimento. Mas, nesse caso, sou eu ou ela. Isso também é válido para aranhas. Só mato em caso de extrema necessidade.
No passado fui mais sádico. Na infância, fazia uma mistura de água e terra e colocava as saúvas para afundarem igual às areias movediças dos filmes de selva e mistério. Na adolescência e também quando era um jovem adulto, tinha um prazer quase sensual de afogar formiguinhas em pias de cozinhas e banheiros. Vinha, igual a um deus-inca-tsunami e mandava todas para o ralo. Sempre deixava algum sobrevivente para que ele pudesse contar para o resto do formigueiro sobre o terrível deus Tsu.
Pelo menos, os quatro anos de psicoterapia serviram para superar essa fase de destruição sádica de himenópteros associado ao delírio do uso indiscriminado de meu poder divino. Na verdade, ainda acho que tenho esse poder, porém, a psicanálise me mostrou que não devo usá-lo contra as pobres e indefesas formigas.
Hoje, gasto parte do meu tempo-para-gastar-com-coisas-que servem-para-alguma-coisa aperfeiçoando técnicas para exterminar os famigerados pernilongos. Eu, particularmente, gosto de matar aqueles que passaram a noite chupando o meu sangue ou o de algum familiar e estão lá, gordos, lentos, como nós ficamos após uma feijoada e três pedaços de torta de mousse de limão num domingo quente de verão. Gosto de projetar a trajetória do vôo lerdo deles, usar meu cerebelo para calcular onde eles vão estar no instante seguinte e plaft! Depois é só lavar a mão com sabonete.
Com o tempo, fui me especializando. Posso ficar parado esperando o besta se aproximar e vupt, catá-lo com a mão em um movimento rápido derivado dos antigos filmes de kung-fu. Se ele está pousado em alguma parede, o ideal é bater as palmas das mãos sobre ele que, sai voando no primeiro deslocamento de ar e morre prensado entre os dedos. Chega a ser triste vê-los cairem nesse golpe sujo das mãos.
Os Aedes aegypti são um caso a parte, voam ligeiros e fazem curvas aéreas irregulares que tornam difíceis as previsões cerebelares. Eles nunca estão onde você pensa que eles estarão no momento seguinte. Também possuem uma personalidade insistente, possuem uma auto-estima elevadíssima, têm certeza que vão conseguir chupar seu sangue e não desistem facilmente. Atacam enlouquecidamente à luz do dia e, acho, já lutaram no Vietnã e na guerra da Coréia. Eu diria que a morte de um tigradinho pode valer muitos pontos no campeonato nacional de caça aos seis patas. E nem vou entrar no mérito da questão epidêmica causada pelos capetinhas.
Às vezes, sou atormentado por dúvidas existenciais. Matar ou não matar seres vivos? Ter prazer em tudo isso, faz de mim um ser menor? Comer uma alface é destruir uma vida? Devo continuar desvirando besouros, que estão de barriga para cima e mexendo as patinhas, quando os encontro pelos caminhos que a vida formou, após um chuva quente de verão?
Sinceramente, não sei a(s) resposta(s) para tudo isso. Sei apenas que existem momentos, em que entendo a complexidade da teia da vida, das gotinhas de orvalho, do equilibrio dinâmico das redes do acaso. Nessas horas, chego a lamentar o prazer que sinto ao subtrair desse universo mais um pequeno inseto sugador de sangue. Olho para as vaquinhas ruminando no campo e penso em um mundo melhor. Penso no pão light, nas verduras, na leveza do corpo filtrado de LDL, no coexistir sustentável com os outros seres vivos que ainda sobrevivem nesse planeta sem muito futuro.
Mas, noutras predominantes e perigosas horas, o que me move é o banho de serotonina que meu cérebro recebe quando esmago uma pernilonga gordinha de sangue ou quando caio de boca na misturinha de carne + rodela de bacon do Macnífico, acompanhado das salgadas, ao excesso, batatas fritas e de uma coca-cola gelada até o inferno.

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