16.12.10

Ninguém Deveria Morrer em Dezembro

Domingo de manhã, não saio para caçar rã. Mas vamos para Araraquara visitar a irmã da Claudia. Vamos de carro novo, com ar e som com mp3, por isso, dá para fazer aquelas saladinhas musicais em que a surpresa e o ecletismo sempre vencem. Cai nos meus ouvidos os seres rastejantes dos tapetes, the carpet crawlers. Uma antiga música do Genesis ainda com Gabriel nos vocais. Sempre que eu escuto as músicas deste cd, me lembro do Jorge, antigo companheiro das primeiras performances, dos homens-pizza. Jorge é um fiel fã do The lamb Lies down on Broadway. Com o consentimento familiar, aumento o volume e canto junto o refrão: We've got to get in to get out. Daí é aquela coisa de sempre, fico emocionado, começo a chorar. As lágrimas escorrem sob os óculos escuros. O Nicolau se interessa pela música, realmente o refrão é grudento, pede para colocar de novo. Atendo seu pedido e começamos a escutá-la novamente. Ele me pergunta o que quer dizer e eu digo: nós temos que entrar para sair. Tento achar uma profundidade maior para aquelas palavras na minha cabeça, poupando os filhos de maiores mergulhos de significados. Ainda choro, mas não sei mais porque. Eu choro porque músicas me emocionam ao ponto disto. Ainda mais se são canções perdidas no tempo que algum buraco de minhoca do Hawkings trouxe à tona. Quase atinjo o sublime, o êxtase barroco da Santa Teresa: música de um tempo que se foi, melodia bonita, família reunida no carro novo com ar, filhos interessados no meu antigo gosto musical. Tudo perfeito.

Nicolau tem uma ideia, depois de escutar a profundidade traduzida que tem que entrar para sair. Aproveitando-se da fase escatológica de seus 10 anos, deduz que o refrão refere-se ao seu cocô, afinal ele também tem que entrar para sair. Os outros acham graça, acho que até eu acho graça. Agora, o ar começa a secar minhas lágrimas já que as entradas e saídas do sistema digestório deram um outro tipo de profundidade abissal às palavras da música. Aquele momento de lembranças já ficou para trás, o buraco de minhoca já se fechou. Agora, talvez, o que eu tenha, seja apenas um novo momento, uma nova lembrança sendo formada.

Depois, inclusive depois da volta da viagem, por volta das 11 da noite, abro o facebook para dar aquela olhadinha final, antes de dormir. Vejo que um fotógrafo conhecido morreu em um acidente na madrugada anterior. Estava prestes a ir dormir quando acordo e começo tudo novamente. Lembranças de outras pessoas que se foram, do acidente na mesma estrada que passei de manhã, chorando e escutando a voz rouca do Gabriel. Buracos de minhocas ligando distâncias impossíveis. As pessoas morrem mais no final do ano ou estou começando a achar padrões no caos? Deveria ser proibido morrer no mês do Natal. Mas a vida não é assim, as coisas não acontecem assim. Só me resta ficar atento aos buracos de minhoca, aos seres rastejantes nos tapetes, ligando distâncias e tempos impossíveis, feito donnies darkos do cotidiano, prestando atenção nas mensagens transmitidas pelos portais do tempo-espaço que se abrem e se fecham, rapidamente, transformando o presente em passado e, talvez, também em futuro.

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