21.12.04

Memórias Musicais vol. 04 - Todo começo tem seu antes

(É doce morrer no mar. Dorival Caymmi)

A primeira vez que ouvi falar do Jung estava no primeiro colegial (upgrade: primeiro ano do ensino médio) e tinha uma professora de literatura que era temida por quase todos. O pessoal tinha muito medo dela porque era impossível ir bem nas provas, só decorando as características físicas e psicológicas das personagens, dos livros que tínhamos que ler. Pois é, ela era construtivista numa época em que a rede pública ainda não era. A professora Bete disse uma vez, para tentar explicar um capítulo do Dom Casmurro (ou seria do memórias póstumas?), que existia um inconsciente que pertencia a toda humanidade. Ele era como um mar e nós éramos como bóias flutuando nesse mar. Se pela parte que estava fora d'água éramos indivíduos isolados, em nossa parte submersa éramos todos interligados, todos conectados pela água salgada, pelas lembranças comuns da raça humana. Sempre quando penso em Jung (e penso pouco) em minha mente ilumina essa imagem primal dos tempos da escola pública. Assim, somos água e sal, somos o mar, essa solução salina em que dormimos antes de nascer.
Muito antes do começo de tudo. Antes dos peixinhos da celly. Existiu uma lembrança musical que virou sonho. Meu pai vivia a cantarolar "é doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar..." Eu não conhecia o mar, mas ficava intrigado com a possibilidade de ser doce morrer no meio de tanta água salgada. Por isso, acho, em um dos primeiros sonhos que me recordo ter tido, vinha andando por uma praia e chegando perto do mar, enquanto ondas bem fraquinhas, como marolas de água doce, batiam na areia. Fui chegando bem perto do limite movediço de água/areia e olhando atentamente, tentando ver o que tinha sob a água. E quando a marolinha voltava, algo se revelava e eu podia ver um enorme abismo (sob a água) cheio de corpos empilhados em camadas, como um imenso pavê (doce) humano, coberto por uma fina superfície (salgada) líquida que ia e vinha, insistindo em revelar seu conteúdo e a me dizer: somos todos interligados!
(para a bete kefalás)

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