Nos meus idos tempos do ensino superior, tinha um pessoal bem moderno, aquele grupinho pensante e exótico que você sempre consegue encontrar nas boas faculdades do ramo. Eu era o que o orkut classificaria hoje de "friends of friends", ou seja, amigo dos amigos do pessoal moderno top de linha. Tinha uns que moravam numa republica moderna, com lençois no teto escondendo lâmpadas, livros importados de desenhos em cestinhos de vime e almofadões pré-tok stok. Incensos no ar, faça o que quiseres fazer, há de ser tudo da lei, diria Alister... O Roberto Freire vinha para cá dar aquelas vivências corporais dele e ficava lá, na república dos modernos. Ficavam lá fumando maconha, destravando a couraça caracterial e louvando Reich. No fundo, no fundo o que todos queriam era mesmo ir fundo ... em alguém! E tome Drummond no enredo da juventude: sueli que amava sonia que amava eduardo, sueli que quis laura que amava paulo que gostou de sueli que amou paulo. Intrincadas emoções. Eu me lembro dessa época, de admirar aquela gente louca e destravada, fumadora de haxixe, às vezes, pensadora de coisas profundas, outras vezes, de oceanos humanos de inconscientes coletivos. Na capa do vinil do alan parsons, uma aura azul desprendia do corpo do cara, o poder das pirâmides. Eu, mero estudante de faculdade de ciências, colhendo frutos de tudo aquilo através do olhar do observador. Num carnaval, fomos acampar em uma cidade minúscula da região, cheia de cachoeiras. Quem me conhece sabe o tanto que gosto de viajar, principalmente se for para um acampamento no campo. Quem me conhece sabe que eu não troco uma pernada básica num shopping, com direito a casquinha de sorvete do Mac, por uma cachoeira 7-quedas com vista para o mar. Imaginem então, eu, num campo cheio de vaquinhas e chovendo sem parar. Uma das barracas furadas e todo mundo dormindo noutra de poucos lugares. Chovendo e chovendo sem parar. Muito pouco, algum tempo, alguma noite, um preto aberto no céu de longe das luzes da cidade. Muito raro, nós sentados vendo o cinturão grosso de leite de estrelas, a via láctea, destacada do céu pretume do meio do mato. O pessoal conversando, contando histórias de medo, alguma fita cassete tocando músicas que, com certeza, era eu quem tinha gravado. Apesar de hoje ter esses momentos como ternas lembranças, na época, foi o mais perto que cheguei do purgatório, do limbo, do nada com fungos: carnaval e chuva e mato. Um amigo estava lendo o hobbit, prólogo do senhor dos anéis, em inglês, porque naquela época ainda não tinha versão brasileira dos livros. Ele lia e contava para a gente, de noite, dentro da barraca, à luz de uma lanterna que insistia em ir se apagando. Nossa imaginação criando os lugares, os túneis através da montanha do dragão. Um dia ele achou (porque procurou muito) uns cogumelos numa bosta de vaca e comeu. E nós todos presos na barraca, enquanto chovia lá fora, e ele, por conta da psilocibina, vendo luzinhas e sentindo emoções de comunhão com a mãe-terra e com todos seus filhos. Foi o mais perto que cheguei de quase exterminar alguém. Pode haver coisa pior do que viver um tédio profundo e chuvoso ao lado de alguém que acha que acabou de entender todo sentido da vida? Mas é disso que me lembro, de um carnaval chuvoso no meio do mato, do carro atolado no meio do chiqueiro da fazenda, de uma barraca pequena pro tanto de gente, do chão sempre molhado, do céu que se mostrou brilhante em alguns momentos, de um japonês de sampa, do acampamento ao lado, que pulou na cachoeira e estourou a testa numa pedra e da saudade básica de estar em minha casa e ser domingo, para almoçar macarronada, frango e coca-cola e assistir um showzinho de calouros no programa do silvio.
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2 comentários:
Cleido, parabéns pelo seu trabalho de cronista. Elas são divertidas, leves, inteligentes... Muita gente comenta e gosta do que lê. Eu tb sou de Ribeirão. Sou irmão do Cako Facioli, ilustrador. Tb tenho meu blog, com o mesmo lay-out que o seu. Se vc quiser conferir: http://inquilinosdoalem.blogspot.com . Um abraço, sucesso! Adriano Facioli.
adriano, obrigado pelos comentários!
eu tenho um blog mas frequento muito pouco ele mesmo (risos!!)
e agora que descobri onde ficavam os comentarios enviados por quem leu!!!!
vou ver o seu blog e depois te falo
um abraço,
cleido
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