10.6.05

A Biblioteca de Babel

Num dos contos de Borges, existe uma biblioteca em que estão todos os livros escritos no mundo e também, lá estão, todas as possibilidades de existência de livros. Lá estão livros com todas as páginas em branco, outros escritos apenas com a letra A, outros escritos de trás para frente e etc. etc. etc. Dessa forma, a biblioteca é infinita, formada por labirintos e labirintos intermináveis de possibilidades de livros. É a Biblioteca de Babel, onde muitos entram procurando por algo interessante, pela primeira Biblia, pelo livro do mortos, pelo segredo dos alquimistas, e acabam morrendo soterrados pelos zilhões de livros inúteis. Se Borges tivesse conhecido a internet, talvez tivesse chegado a conclusão que a rede mundial é o que mais perto chega de sua infinita biblioteca. Agora, eu trabalho numa biblioteca. Ela não é infinita e nem ao menos chega a ser grande, portentosa. Mas é uma biblioteca e todas as bibliotecas têm essa capacidade de serem infinitas quando desdobramos as páginas de seus livros. As pessoas passam por ali. Alunos vão lá para fazerem pesquisas sobre chorinho, samba-canção, a revolução russa e os invertebrados. Eu os ajudo. Eu gosto de procurar na Barsa os verbetes correlacionados e fazer essa conexão entre eles e o livros. São, na maioria, alunos da rede pública e, alguns, estão tão perdidos que a história de ensinar a pescar não cola porque eles nem ao menos sabem que aquilo é pescar/pesquisar. Eu gosto de observar as pessoas. Eu gosto de ver o tanto de gente que entra lá e lê alguma coisa. São pessoas que trabalham no esquema sem tempo dos shoppings e ainda arranjam um tempo para ler. Eu gosto de ver professores aposentados, da velha guarda, procurando livros para o enem. Gosto de conversar com as pessoas sobre o código da vinci, sobre anjos e demônios e gosto de conversar com as pessoas que trabalham comigo.Cada dia que eu passo lá, eu descubro um livro. Não que eu os leia, apenas descubro que eles existem lá, igual ao conto de Borges. Um dia eu vejo o Sacks, outro dia tem o Vigotsky, o Nelson Motta, o Fernado Savater e o Stephen King. Noutro dia, chega uma menina de uns 16 anos, com uma calça capri jeans preta cheia de rasgos e apliques e quer saber sobre anarquismo e revolução russa. E lá vai o tio procurar na estante de história. E eu me sinto orgulhoso de achar algo e (no caso) ensiná-la a pescar. E eu volto para o balcão e a menina bonitinha vai até mim e me pergunta se eu tenho Ecce ???? (não entendo) do Nietzsche. E eu vou até o computador e acho a estante e vou até lá procurar os livros e mostro o Zaratustra e ela me diz que já leu e mostro o outro, Ecce Hommo e ela me diz "Era esse que eu pedi" e eu me sinto aprendendo a pescar, já que nunca li Nietzsche.Quem me conhece, sabe que meu forte não são os livros. Que se ainda fosse uma cdteca ou uma videoteca, I'll be in heaven... Mas, mesmo assim, nesses nossos modernos tempos de cegueira, ando me saindo bem como o caolho na pequena biblioteca de Babel.

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