10.7.05
Por que tenho preguiça de releituras
Nessa semana, passeando no horário de almoço pelo shopping, enquanto a língua esculpia montanhas na casquinha do Mac, vi uma exposição de trabalhos de arte dos alunos de uma escola daqui de Ribeirão. De longe, enquanto eu me aproximava, fui vendo aquelas pinturas coloridas, recortes de papelão tingidos por pinceladas de guache, garatujas de giz de cera, texturas de papéis amassados, massa corrida e colas coloridas e pensei: “Como estão lindos esses trabalhos das crianças!”.Quando chego perto dos painéis, vejo em quase todos eles uma pequena reprodução fotográfica da obra original (Miró, Portinari, Pollock e etc.). Sim, criaturinhas, tratava-se de mais um caso clássico de releitura de obras de artistas famosos. Essa praga que infestou nove entre dez escolas de ensino fundamental e médio. Quando constato isso, a música primavera do Vivaldi, que tocava dentro de meu cérebro, vai diminuindo de velocidade, igual quando se desliga um daqueles antigos discos de vinil sem levantar a agulha do toca-discos. As flores da primavera murcham rapidamente e, com desânimo, penso: “Ó não, releitura de novo!!!”Tenho uma preguiça imensa de releituras de obras de arte. Tá bom, tá bom, a primeira vez que alguém viu o abaporu relido por uma criança, deve ter dado uma certa emoção, mas quando deve ter sido isso? Em 1970, quando os construtivistas tomaram o poder? Quem hoje ainda suporta aquela fileira de abaporuzinhos mirins, quase tão disformes quanto o original, exibidas nas mostras de arte de escolas? (opinião de pai e mãe de pequeno artista, não vale!).Voltando para a exposição da escola de ribeirão, estão lá, milhões de técnicas de colagem, recortes, pintura, desenho, lápis, aquarela, cola, diversos materiais, cores e etc., tudo isso para que? Para fazer uma releitura de quadros famosos! Sublime falta de imaginação disfarçada de atividade criativa inserida num contexto histórico que situa a criança no fazer artístico dos mestres e suas respectivas épocas/movimentos culturais.A quantidade de criatividade envolvida num ato de releitura é a mesma usada para pintar palhacinhos mimeografados em sulfites e distribuídos pelas professoras enlouquecidas de antigamente(??).A única diferença é que os pais, os professores, (e a até a própria criança é convencida disso) ficam encantados com a capacidade do pequeno ser de emular os gênios da pintura ocidental. Como nós, pais modernos, somos mais espertos hoje em dia (já que assistimos muitos globo-repórteres que nos mostraram pesquisas de conceituadas universidades americanas sobre o desenvolvimento infantil), não somos mais facilmente enganáveis por esqueletos pintáveis de palhacinhos roxos. Por isso, a atividade artística com crianças, atualmente, vem com esse verniz-consistência chamado releitura, para mais fácil engambelar nossa classe média esclarecidinha. Mas não se iludam, releitura de obras de arte não é nada, não significa nada. Aliás, não significa nada é muito forte. Significa sim, significa a mais completa falta de preparo dos responsáveis, para propor atividades realmente criativas, que façam diferença e que tenham uma probabilidade razoável de realmente participarem do repertório de possibilidades da vida da criança.
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