10.7.05

Um dia, eu tive uma cólica

As mulheres, penso eu, estão mais acostumadas aos movimentos involuntários ritmados da musculatura lisa do que os homens. Na vida delas, sempre estão presentes as contrações, sejam elas mensais, nascimentais ou orgásticas. O útero sempre está lá, ou pronto para acolher ou pronto para expulsar. Desse dual movimento das entranhas femininas poderia eu, se tivesse com saco, traçar alguns paralelos e analogias com a peculiar psiquê do, assim chamado pelo velho Sig, continente escuro e inexplorado. Mas não carece...
Uma noite, já faz um bom tempo, eu já era casado mas ainda não tinha filhos, acordei com uma lancinante dor. Tudo doía em mim. Só conseguia saber que essa dor estava abaixo do pescoço e acima da hollanda. Achei que estava morrendo de infarto-agudo-generalizado-crônico. Comecei a ganir na cama e a gritar baixo para a Claudia que estava passando mal, muito mal. Ela me perguntava o que estava sentindo e eu só conseguia achar que estava morrendo, frio e suando e morrendo. Pedi para ela ligar para minha irmã que é médica e avisá-la. Nunca tinha sentido uma dor tão grande e esquisita como aquela, deveria estar um pouco mais branco que o de costume porque a Claudia também ficou impressionada. Discou para a minha irmã, segurou o fone em meu ouvido, já que estava prostrado, derribado sobre meu leito de quase morte, enquanto que eu, com uma voz ínfima e frágil, como um João Gilberto que tivesse passado três dias amarrado a um ar condicionado, disse para ela que tudo doía em mim. Minha irmã, graças a Deus, sempre leva à sério os pitis familiares e disse para a Claudia me levar para o hospital Santa Lydia, ali perto, que ela também iria para lá.E lá fomos nós, eu morrendo e a Claudia dirigindo o carro, para o hospital, umas duas horas da manhã. E quando chegamos lá, senti que alguma revolução começava a acontecer acima dos países baixos. Era como se o baby-alien estivesse querendo sair pelo meu umbigo. Ou ainda que estivesse tendo início um campeonato de skate de lombrigas nas rampas tubulares de meu delgado. Criaturinhas, não foi fácil, mas essa nova sensação indicou-me que aquilo tudo poderia ter uma saída, e essa era o banheiro. Perguntei para o moço da portaria onde ficava o banheiro e fui, semi capengando, para o local. Ao abrir a porta do reservado vi algo parecido com banheiro que o Ewan MacGregor entra latrina abaixo no trainspotting. Algo muito usado e sujo, muito sujo. Estático diante do cenário defeco-nuclear, sinto minhas entranhas serem domadas, já que, defronte a tamanha imundice, tomo as rédeas de sistema nervoso autônomo e assumo o controle de minha musculatura lisa. Lisa, em movimentos desenfreados, porém digna. E não existiria sensação de morte iminente que me faria fazer parte daquele mise-en-scène de banheiro de filme de tarantino e lynch. Volto para recepção do hospital onde a Claudia (e agora também minha irmã) me espera, convencido de que tudo tem limite, até mesmo as contrações intestinais, digo, meio envergonhado, que já estou melhor. E assim, perto dos quarenta, tive eu minha primeira grande cólica, coisa que as mulheres, pelos motivos citados no prólogo, teriam tirado de letra com um atroveranzinho básico.

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