2.9.07

O Homem no Parque

Sete e meia da manhã, deixo os filhos na escola. Estaciono o carro um pouco mais para frente e vou caminhar, trinta minutos, antes de ir às aulas. Vou dar voltas no parque ao lado do ribeirao shopping, aproveitando para escutar os últimos espíritos que capturei da rede, alminhas novas no corpo nano do tocador de mp3.
Não posso sair por aí, porque só tenho meia hora. Tenho que andar em um trajeto circular que não me afaste muito do perto de casa.
O parque tem lago e garça. Tem gente que pesca, deixa um monte de lixo, e tem molecada nadando de vez em quando. Na verdade, nem o aproveito muito. Mas gosto de tê-lo por perto para melhorar a paisagem.
Sete e quarenta e cinco, caminho ao som da Teresa Salgueiro. Geralmente, deixo os controles do ipod no randômico, mas, escutei a primeira e resolvi ficar no clima. Passo perto de um dos portões do parque e tem um carro estacionado na rua. Lá dentro, junto à rampa para skatistas, um homem parado. Alguém na faixa dos trinta e pouco. Ele está de bermuda e olha para o infinito e além. Ao seu lado, no topo da rampa, tem uma gaiola com um passarinho. Fico pensando se ele traz sempre a ave para passear no campo simulado. Ele é quase uma pintura de Magritte. O homem e a gaiola no parque. A situação é quase surrealista, quase uma performance muda.
Também ilumino a cena com uma lanterninha de 1.99 do senhor Freud. O homem com seu passarinho preso. Um homem quieto e calmo, mostrando a imensidão (de possibilidades) do mundo, para o seu piu piu aprisonado. Sei que o velho Sig disse que interpretar é encontrar o sentido oculto de algo, o problema é que, às vezes, nada está oculto. E são nossos olhos, ávidos pelo dia que ainda começa, que revela sentidos escondidos onde nada tem (ou precisa ter) significado.
Continuo a andar, e deixo “O Terapeuta” para trás. Um imenso coral invade minha cabeça. Um coral, daqueles grandes, se encontra num ponto equidistante entre minhas orelhas, espetando meu sistema límbico. Teresa canta com sua voz macia que seus olhos, de chorar, fizeram covas no chão. Que eles choram por ti, e os teus por quem chorarão?
Sete e cinquenta e cinco, eu estou chorando. Olho para trás e vejo o homem da gaiola, lá longe. Olho para baixo e procuro covinhas no chão.


“olhos negros” com teresa salgueiro:
http://umquetenha.blogspot.com/2007/08/teresa-salgueiro-obrigado-2005.html

2 comentários:

Anônimo disse...

Caminhar é um exercício muito além do físico, é filosófico, artístico e espiritual. Quase todas as pessoas hoje andam apenas com veículos ou os pés, literalmente, mas o gostoso mesmo é andar com o olhar, com o tato e com os ouvidos...

Anônimo disse...

também tive vontade de chorar...
lindo e triste este texto
bjs,Sandra